“O Yoga pode ser praticado por qualquer pessoa, seja jovem, velho, muito velho, saudável ou enfermo. Mesmo assim, a maneira pela qual um jovem é ensinado será diferente da maneira como uma pessoa idosa ou doente será ensinada. Portanto, cada aluno deve ser considerado como um indivíduo e ensinado em um ritmo adequado à sua situação na vida.”
Sharath Jois
ASHTA significa oito e ANGA significa passos, portanto “ashtanga” significa “oito passos”, especificamente os oito passos delineados pelo sábio Patanjali. Sobre os Yoga Sutras
O Ashtanga Yoga tem origem em um antigo sistema de Yoga cujos fundamentos são atribuídos ao sábio Vamana Rishi, descritos no enigmático manuscrito Yoga Korunta — um texto tradicional escrito em folhas de palmeira, com data estimada entre 500 e 1500 anos.
Esse conhecimento foi transmitido por Rama Mohan Brahmachari a seu discípulo Sri T. Krishnamacharya no início dos anos 1900. Krishnamacharya passou sete anos e meio vivendo com seu guru e sua família em uma caverna aos pés do Monte Kailash, nos Himalaias, dedicando-se intensamente ao estudo e à prática do yoga. Anos depois, em Mysore, ele transmitiria esse método a Sri K. Pattabhi Jois, que iniciou seus estudos com Krishnamacharya por volta de 1927.
A palavra Korunta significa “grupos”, e acredita-se que o manuscrito continha séries de āsanas organizadas de forma precisa, além de ensinamentos sobre vinyasa (sincronização entre respiração e movimento), drishti (ponto de foco), bandhas (fechos energéticos), mudras e fundamentos filosóficos do Yoga.
O nome Ashtanga Yoga tem origem nos Yoga Sūtras de Patañjali, onde é descrito o caminho óctuplo (aṣṭāṅga) para o autoconhecimento e a liberação: yama, niyama, āsana, prāṇāyāma, pratyāhāra, dhāraṇā, dhyāna e samādhi.
Dedicado e disciplinado, Pattabhi Jois, com autorização e ajuda de seu professor, sistematizou e difundiu o método ao longo de décadas. Posteriormente transmitindo sua essência a seu neto e discípulo mais próximo, Paramaguru R. Sharath Jois — responsável por preservar, fortalecer e difundir essa tradição pelo mundo.
Sharathji faleceu em 2024, deixando um vazio imenso na comunidade do Ashtanga Yoga. Sua partida foi sentida em salas de prática ao redor do mundo, onde o ecoar dos mantras se misturava às lágrimas e à reverência. Ainda assim, sua presença permanece viva — na disciplina dos praticantes, no som da respiração consciente, na firmeza das mãos em samasthitih.
O legado de Guruji Sharath Jois pulsa em cada corpo que se entrega ao tapete com verdade. E são os próprios praticantes que, com devoção e constância, mantêm essa chama acesa — honrando o caminho, passo a passo, postura por postura.
Ashtanga Yoga é uma prática tradicional e estruturada que organiza as posturas em séries fixas e progressivas. São seis séries ao todo, desenvolvidas de forma inteligente, em que cada postura prepara o corpo e a mente para a próxima.
Utiliza-se, ao longo da prática, os ensinamentos fundamentais do método: vinyasa, respiração sussurrada, os drishtis e os bandhas. Esses elementos criam uma prática meditativa, interna e transformadora, que conduz o praticante ao estado de presença.
A jornada começa com a Primeira Série, chamada Yoga Chikitsa (“Yogaterapia”), conhecida por seu forte caráter terapêutico e transformador. Essa sequência trabalha o alinhamento postural, a purificação do organismo e o desenvolvimento da respiração, força e foco.
Apesar da sequência ser fixa, a prática nunca é igual — a cada dia, revelam-se novas possibilidades e percepções. Como dizia Heráclito: “Nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio…” — a prática reflete o momento presente e nos convida à auto-observação.
As séries seguintes — segunda série - Nadi Shodhana (purificação dos canais sutis) e as séries avançadas - Sthira Bhaga (força e graça/estabilidade divina) A, B, C e D. — aprofundam o trabalho interno, exigindo maior integração entre corpo, respiração e mente. Cada uma delas se desdobra como um espelho que revela, aos poucos, aspectos mais sutis da prática e de si mesmo. Como se diz entre praticantes do Ashtanga: “a prática reflete a vida e a vida reflete a prática”.
Além de fortalecer e flexibilizar o corpo, o Ashtanga Yoga promove clareza mental e equilíbrio interior. Uma verdadeira disciplina que, praticada com constância, transforma o corpo, refina os sentidos e aprofunda o autoconhecimento.
Vinyasa
No Ashtanga Yoga, o Vinyasa é a sincronização do movimento com a respiração, criando um fluxo dinâmico e meditativo. Cada postura se conecta à próxima por meio dessa sequência, aquecendo o corpo, purificando órgãos e desenvolvendo foco. O calor gerado esquenta nosso sangue ou, como dizia Pattabhi Jois, "ferve o sangue", auxiliando na eliminação de toxinas e tornando a prática intensa e transformadora. O Vinyasa mantém a continuidade da atenção, levando o praticante a um estado de meditação em movimento.
O suor é um importante produto do vinyasa, porque, de acordo com Sharath Jois em seu livro Ashtanga Yoga Anusthana, somente através do suor é que as doenças deixam o corpo e a purificação ocorre. Se o método é praticado de forma correta, o corpo se torna forte e saudável.
O Vinyasa é o fio invisível que costura a prática, estabelecendo ritmo, presença e vitalidade. Ele exige escuta atenta e entrega total ao momento presente, tornando o praticante sensível à respiração e consciente de cada gesto.
Tristhana
A prática do Ashtanga Yoga se baseia no Tristhana, os três pilares essenciais da prática: postura (āsana), respiração e foco ocular (drṣṭi). Essa tríade atua de forma integrada, criando uma prática que é ao mesmo tempo física, energética e meditativa.
O alinhamento das posturas (āsanas) fortalece o corpo, purifica os órgãos internos e desperta leveza e estabilidade. A respiração sussurrada - lenta, profunda e sonora - regula o sistema nervoso, gera calor interno (agni) e ancora a mente no presente. O drṣṭi, ou ponto de foco visual, direciona a atenção e protege a mente da dispersão. Quando esses três elementos são praticados em harmonia, o corpo se aquece, a energia vital circula livremente e a mente se interioriza.
No método tradicional, existem nove drṣṭis:
Ūrdhva Drṣṭi – olhar para cima
Bhrūmadhya Drṣṭi – entre as sobrancelhas
Nāsāgre Drṣṭi – ponta do nariz
Pārśva Drṣṭi – para a direita
Pārśva Drṣṭi – para a esquerda
Nābhicakra Drṣṭi – região do umbigo
Hastāgra Drṣṭi – ponta das mãos
Aṅguṣṭhamadhya Drṣṭi – base ou meio do polegar
Pādayoragra Drṣṭi – ponta dos pés
Cada āsana tem seu drṣṭi correspondente, e cultivá-lo com constância acalma as flutuações mentais (citta vṛtti), ajudando o praticante a permanecer centrado mesmo durante posturas desafiadoras.
Ao dominar o Tristhana, o praticante transforma a prática em uma jornada de autoconhecimento, disciplina e purificação — cultivando não apenas um corpo forte e uma mente atenta, mas uma escuta mais sutil da vida que pulsa por dentro.
Bandhas
Bandhas são “fechos energéticos” internos que direcionam, contêm e intensificam o fluxo do prāṇa — a energia vital que sustenta o corpo e a mente. Quando ativados corretamente, os bandhas trazem leveza, estabilidade e força, despertam o fogo interno (agni) e protegem o corpo na execução dos āsanas.
No método Ashtanga Yoga, a ativação dos bandhas é contínua e sutil, acontecendo ao longo de toda a prática, sem retenções de ar, integrando respiração e movimento com precisão e consciência.
Localizado no assoalho pélvico, é uma contração interna sutil na base da pelve. Associado ao chakra Mulādhāra e à expiração, promove estabilidade, firmeza e centramento. É considerado o primeiro bandha a ser cultivado e permanece ativo durante toda a prática.
Localizado no baixo ventre, três dedos abaixo do umbigo, é uma leve ativação da musculatura abdominal, que se movimenta suavemente para dentro e para cima. No contexto do Ashtanga Yoga, é mantido de forma contínua e sutil ao longo da respiração, sem retenções, promovendo leveza, sustentação e elevação da energia (prāṇa). Essa ativação estabiliza o centro do corpo e refina a união entre respiração e movimento.
É uma “trava” sutil na região da garganta, realizada com o queixo levemente em direção ao peito. Utilizado principalmente durante a prática de prāṇāyāma, seu objetivo é conter e redirecionar o fluxo energético entre o coração e a cabeça. No método tradicional, é ensinado de forma individual e gradual, quando o praticante chega na 3ª série do Ashtanga e está preparado para esse estágio da prática.
A prática
O Ashtanga Yoga pode chamar atenção, à primeira vista, pela beleza plástica dos āsanas. Mas, por trás da forma, o verdadeiro propósito da prática é cultivar disciplina, presença e constância. Criamos uma rotina de autocuidado que nos ancora, nos estabiliza, nos ensina a estar no corpo e no momento.
Mais do que habilidade física, o que se valoriza aqui é o compromisso. Não é sobre o talento individual, mas sobre a dedicação diária e silenciosa que transforma.
Patañjali descreve esse caminho no Sutra 2.1, onde define a prática (Sadhana) como a união de três pilares:
Tapas – a disciplina que purifica, transforma e fortalece. Svādhyāya – o autoestudo, a observação profunda de si mesmo e o estudo das escrituras. Īśvarapraṇidhāna – a entrega, a intenção correta, a confiança no divino.
No Sutra 2.2, ele nos lembra que a prática tem como objetivo remover os obstáculos internos que turvam a visão clara. Através da observação constante, investigamos:
Como foi minha prática hoje?
O que comi? Como dormi?
Como estão meus pensamentos?
Como estou me sentindo?
Cada escolha, cada ação, cada hábito deixa uma marca e influencia o todo. Aos poucos, vamos refinando a escuta interna e abrindo espaço para a clareza.
Esse caminho é sustentado por quatro virtudes essenciais, que nos conduzem passo a passo: Devoção, Dedicação, Determinação e Disciplina.
Elas não aparecem de uma vez — são cultivadas, respiradas, reforçadas a cada dia no tapete.
Seguimos, pois como dizia Sri K. Pattabhi Jois: “99% prática, 1% teoria” — é no silêncio do tapete que o verdadeiro conhecimento se revela.
